domingo, 15 de maio de 2011

Duas Mães, ou Dois Pais.

ADOÇÃO: Preconceito, falta de legislação específica e muita batalha judicial: eis um resumo do que é ter o direito a um filho adotivo para os casais homoafetivos.
Vasco e Júnior conquistaram na Justiça o direito de adotar Theodora .

Será mais um Dia das Mães atípico o de Theodora, uma menina de 8 anos que mora em Catanduva (SP), estudante de colégio de freiras e campeã em número de madrinhas. Ela tem 7. Mãe, nenhuma. Em compensação, pais, ela tem dois, oficializados em 2006 em sua certidão de nascimento e carteira de identidade. Theodora é filha adotiva do casal de cabeleireiros Vasco Pedro da Gama Filho e Júnior de Carvalho. Eles foram o primeiro par homoafetivo a adotar uma criança no Brasil. Não sem briga. Vasco entrou com um pedido sozinho. Depois de conseguir a guarda, Júnior também requereu o direito de ser pai. Já o brasileiro Toni Reis e o inglês David Harrad, também querem adotar um filho, mas a sentença favorável à adoção veio com um porém que os fez voltar novamente à Justiça – a criança teria de ser do sexo feminino e com idade superior a 10 anos. Soraya Menezes e Suely Martins Sevilha estão com a guarda provisória da pequena S.V., 3. O desejo era que as duas, que estão juntas há 14 anos, fossem as mães da menina. Como a Justiça não acatou o pedido de adoção conjunta, esperam a guarda permanente para iniciar uma nova batalha.
Se fosse possível uma analogia, a luta dos pais homoafetivos pela adoção conjunta de um filho seria quase um parto a fórceps. Eles enfrentam uma queda de braço entre o mundo real e uma legislação capenga, que surge todos os dias nos tribunais de diversas partes do Brasil. De um lado, o apego à Constituição e de que todos são iguais perante a lei, fazem com que esses casais briguem pelo direito de, juntos, adotarem um filho. Do outro, a ausência de uma norma jurídica para tratar do tema da adoção para casais homossexuais faz com que a maioria dos processos passe por uma peneira. Separado pode, mas se o pedido de adoção for do par, a Justiça não equilibra sua balança – ora há avanços como o do casal Júnior e Vasco da Gama. Ora, mostra sua face cruel. Toni Reis e David Harrad entraram no Supremo Tribunal de Justiça com um recurso para poder adotar a criança que quiserem, sem imposição de características, que consideram discriminatórias.

O grande problema para essa falta de legislação, segundo a ex-desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a advogada especializada em direito homoafetivo, Maria Berenice Dias, é que casais de todo o país são submetidos a sentenças desiguais. Ficam à mercê dos juízes.
Há aqueles que consentem na adoção pelo casal, mas outros dificultam e não são favoráveis. A saída sempre foi a de apenas um dos pares adotar a criança. “A lei diz que uma pessoa sozinha pode adotar e não questiona a orientação sexual dela. Então, apesar de a criança passar a viver com duas pessoas, para o processo de adoção somente um é submetido a entrevistas, estudos, avaliações”, diz.
Se há preconceito, Theodora nunca passou por ele, segundo Carvalho. Ela estuda em tradicional colégio de freiras de Catanduva e como qualquer criança, recebe e visita os amigos, tem aulas de piano e de natação. Tanto Júnior quanto Vasco são presentes e participam de todas as reuniões e eventos da escola. “Nunca escondemos que somos gays e ela entende tudo numa boa. Também falamos para ela que, pelo fato de ter sido adotada por dois pais, ela terá de lidar com o assédio das pessoas pelo resto da vida. Com certeza há pessoas que não concordam com o fato de dois homens casados adotarem uma criança, mas ninguém nunca chegou para nos falar nada”, diz.

Para ampliar o número de histórias com finais felizes como a de Vasco, Júnior e Theodora, o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) passará por mais uma rodada para a aprovação do Estatuto da Família, com uma audiência pública em 12 de maio, no Congresso Nacional, em Brasília. O estatuto legitima as novas formações familiares, com ênfase nos direitos das relações homoafetivas. Desde que começou a tramitar, em 2007, a luta, segundo a advogada e vice-presidente do IBDFAM, Maria Berenice Dias, é para que as emendas do Legislativo, que retiram do Estatuto vários direitos dos casais homoafetivos, sejam derrubadas. “Como tudo que diz respeito à relação homoafetiva, o Estatuto vem enfrentando resistência e má vontade do legislador”, diz.

Enquanto esperam essas mudanças e o tempo da guarda provisória acabar para entrarem com uma nova luta, Soraya e Suely ensinam à filha novos valores. Os passeios são com casais heterossexuais, homossexuais, em que o desejo das duas é preparar a filha para viver num mundo diverso. S.V. tem se saído muito bem. Adora os passeios e a convivência com mãezona e mãezinha e, neste Dia das Mães, o presente é duplo. “Ela sempre prepara dois trabalhinhos para nós duas”, diz Soraya.

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